Devaneios perdidos

Sunday, March 26, 2006

Depois do amor

Os olhos dela fechados e ela, aninhada em meus braços, fazem parte da doce lembrança do nosso amor de ontem. Poderia ficar horas admirando o sono dela e esperar pelos tímidos raios do sol de Petrópolis, que teimam em sair vagarosos nas frias manhãs. Seria alegria demais, se já não me bastassem as longas horas furtivas de amor junto à lareira, que estalava queimando, cortando a desordem dos nossos corpos que ardiam. De um lado um vinho barato. Do outro a caneta e o papel gasto, riscado pelas vãs tentativas de descrever beleza singular. E de pensar que, ao despertar, tudo perderá o sentido e o encanto acabará, fico de lado, amando calado a mulher que desejei. O que será que ela sonha? Manhosa, esboça acordar e passeia com a língua nos lábios. Terá gosto do vinho que bebeu em meu corpo, ou apenas do sal do nosso suor mancomunado? Côncavo é o corpo que admiro. Cheiro o cabelo dela e mimo atrás da orelha que é pra não mais esquecer a essência, o rasto do sexo que começamos e terminamos de forma intensa. Sei que, quando ela se vestir e sair pra talvez nunca mais, ficarei por mais alguns minutos, talvez horas, estirado no tapete da sala, bebendo o resto do vinho ou simplesmente olhando pro teto, vendo o tempo passar vagaroso.

Monday, March 20, 2006

Lindinha

Ela nem sabia
Que eu bem mentia
Quando dizia
Não fazer poesias
Pra ela.
Será que ela queria,
Quiçá gostaria
De saber que eu sentia
Uma certa agonia
Por tentar disfarçar?
E ao encobrir o que eu sentia,
Imaginava o que ela pensaria
Ao ver seu nome em minha elegia.
Pois o que ontem sonhei
Morreu ali comigo.
Meu Deus, que castigo!
De ti, num ato duro, me afastei.
Mas constatei de imediato
Que amor, naquele formato,
Jamais presenciei.
Porque nem sei como se chama, de onde vem...
Só sei que é coisa minha
Reportar-me a esse alguém
De forma pura, que é Lindinha.

Monday, March 13, 2006

Tempo Certo

Hoje, o dia preguiçoso
Demorou a acordar.
Fiquei muito ansioso
Para ver passar de novo
Suas pernas a bailar.

Mas o dia vagoroso
Por muito tempo me deixou a esperar
Pela morena matreira
Que vinha da Vila pra na Mangueira sambar.

Com a sua melhor roupa,
A sandália combinando,
Curta saia, coisa louca!
Perna grossa que vivia sonhando.

Se chegou para o meu lado
E nem eu pude acreditar
Naquele velho ditado
Que ela só vai pro samba sambar.

E fiquei uns versos a fazer
Para quando as sós eu cantar;
Um cerveja me pus a beber,
Na mão, um cigarro a fumar.

Ela veio feito rosa
Desdenhando meu versar.
Disse que preferia poesia à prosa
Terço à patuá!

Mas, num gesto latente,
Coloquei-a no lugar:
Lhe taquei um beijo quente
E ela nem pôde se esquivar!
(só ficou a escutar)

Vem, morena, entrar no samba.
Dance um passo solto,
Deixa eu ser seu bamba
Que é nos seus braços que me envolvo.

E o dia tão moleque
Me pregou mais uma peça:
Fez da madrugada outro novo dia
Assim, rápido à beça!
Encurtou os meus ponteiros
Para só assim me vir deixar
O romance passageiro
Com tempo certo pra findar.

Saturday, March 04, 2006

Ao meu amigo Boca

Olha lá o menino que chega. Parece que gosta, carrega nas costas o peso da cruz. Olha lá, camarada. Tá sempre sorrindo ou vive fingindo a alegria que tem? Um cara vivido. Espelho-me no amigo que exala coragem. Não é bobagem, não. A sua história ele mesmo escreveu. Saiu de casa sozinho, nem tinha caminho. Onde será que ele deu? Nas horas difíceis se põe a ajudar. Se um dia estou triste, uma afago ele dá. Tá sempre presente, liga pra gente pra dar um alô. Pergunta da vida, das minhas mulheres, quer saber como estou. Um cara valente, que quando presente contagia o meu peito. Um jeito moleque. Parece que bebe! Ri das minhas teorias, ri do meu amor. Amigo do peito, a quem tenho respeito, a quem devo favor, a quem professo conselhos, a quem não guardo segredos, a quem procuro livrar da dor. Na batalha da vida se esmera, se entrega. Não foge jamais! Quando está comigo, me empresta um sorriso, me dá um motivo pra rememorar as histórias passadas, os tempos que não voltam mais. Somos homens com H. Choramos na alegria e na dor. Quer um sorriso sincero? Um afago fraterno? Pode pedir que eu te dou. E conte comigo se quiseres abrigo ou encontrar um motivo pra estarmos juntos. Pegue sua viola. Empresto-te meu canto, enquanto no canto dos olhos o pranto rola natural a jovialidade de uma amizade verdadeira, que não é coisa pouca, ao meu amigo Boca.