Devaneios perdidos

Friday, February 24, 2006

Carnaval: O fim?

Ao olhar a cabrocha com ar de sonolenta e ver que o bate-bola foi deixado de lado pelo mascarado, me dei conta que a fantasia estava defasada. Nascia um novo dia. Era quarta de cinzas. Os risos e as alegrias foram varridos tal qual confete do salão. Todo o colorido havia ficado pra trás. Não fazia mais sentido. De um lado, o melancólico Pierrô, entrelaçado pela serpentina, ainda bebia pra esquecer. Do outro, o sempre farsante e brigão Arlequim sorria com deboche e sem despeito o sentimentalismo do parceiro. Não havia de sorrir. Ele também fora passado pra trás. Ela não quer saber de malmequer. Ah, Colombina! Que mulher és tu que minha fantasia domina? Que fim foi esse que destes ao meu baile? Por que não paras de fingir? Tira a máscara. O carnaval sempre despertou sorrisos de momento. Vive a alegria inesperada e chora os prazeres imaculados. O palhaço é sofredor e não usa disfarce, o malandro rebola com seu chapéu de palha. O terno branco, inconfundível, é chamariz pra a moça virginal que, de longe, com graça, acena em minha direção. A marcha fúnebre me acompanha na volta. Me cobre com a tristeza da morte de um carnaval que não deveria ter fim.

Friday, February 17, 2006

Lá no Antigo

Sem perceber, virou a cabeça num movimento costumeiro. Da multidão que se formava naquela quente noite de janeiro, apenas os vultos eram passíveis de seu olhar, como se toda aquela profusão não significasse nada. O pensamento longe encontrava rostos que queria em corpos que não comportavam tal proporção. Uma procura em vão, quebrada pelo silêncio desesperador de falas, gritos e farra. Uma pessoa alheia a qualquer distúrbio. Foi quando o papel da bala que levava em suas mãos caiu ao chão. Abaixou-se numa tentativa vã de resgatar o pequeno pedaço de plástico. Levantou para que a multidão não passasse por cima e parou. Parou como quem não acredita; como quem se assusta; como quem se surpreende. A poucos metros dali, parou também esse alguém a lhe fitar o olhar como quem já esperava. Sorriu. O rosto enrubesceu. A pele levemente foi ficando ouriçada e a perna tremia como se não pudesse mais aguardar. Sonhava com esse momento, com a visão que só habitava sua quimera. Deixou chegar estampando um sorriso de boca de luar. E não foi preciso dizer mais nada, porque o amor se dá intenso nas palavras caladas, num tocar de pele sem usar as mãos, no cheiro que empresta a afrodisia capaz de embriagar qualquer casal. Foi então que a chuva veio lavar esse amor reprimido e as pessoas ao redor corriam loucas procurando abrigo. Eles não. Estavam cada um em seu ninho concreto, alicerce de suas paixões, onde o mundo parava pra fotografar o mirar de um amor novo, uno e vibrante que paralisou seus momentos. Porque pra eles, nada mais fazia sentido.

Sunday, February 12, 2006

Vazante

O mar se encheu de mim
E trasbordou, assim,
Uma dor triste.
Quem mergulhou nem viu
Que era turva a água do amor vil -
Cego, pensei: “Não existe”.
Me deixou sem avisar.
Eu até pude pressentir
Mas, de tão rude, constatei
Que era amiúde o meu olhar
E que era raso o mar de seu amor.

Tuesday, February 07, 2006

Será que trancou a porta?

Não é que ela quer de volta;
Não é que ela nunca quis.
Será que ela se revolta
Quando tranca a porta?
Somos muito hostis!
Pego só o travesseiro:
No sofá eu vou dormir
Pelo dia aventureiro
Que insiste em não cair.

Será que trancou a porta?
Será que dá pra entrar?
No meio de uma noite fria
Ela nem desconfia
Que eu quero ingressar.
Vou virar devagarzinho
Que é pra ela não acordar
E, ao lado do meu benzinho,
Me aninho pra deitar.

Wednesday, February 01, 2006

Vai saber

Ai, mulher,
Passe a toalha pro teu amor,
Que faz cena de conquistador
Ao lhe fitar pelo espelho!

Não saia, não.
Que o que ele quer é um pretexto
Pra te colocar num texto
Que eu desaconselho.

Como pôde dissuadir?
Tu já estavas toda enxuga,
A passar creme nas rugas...
E ele ainda a lhe sorrir!

Mas vai saber...
...que era um desejo muito estranho
De lhe trazer de volta ao banho
Pra contigo ele bulir.